Relatório
A diferença decisiva reside na compreensão do papel que cabe ao processo democrático. Na concepção “liberal”, esse processo cumpre a tarefa de programar o Estado para que se volte ao interesse da sociedade; imagina-se o Estado como aparato da administração pública, e a sociedade como sistema de circulação de pessoas em particular e do trabalho social dessas pessoas, estruturada segundo leis de mercado. A política, sob essa perspectiva, e no sentido de formação política da vontade dos cidadãos, tem a função de congregar e impor interesses sociais em particular mediante um aparato estatal já especializado no uso administrativo do poder político para fins coletivos.
Segundo a concepção “republicana”, a política não se confunde com essa função mediadora; mais do que isso, ela é constitutiva do processo de coletivização social como um todo. Concebe-se a política como forma de reflexão sobre um contexto de vida ético. Ela constitui o médium em que os integrantes de comunidades solidárias surgidas de forma natural se conscientizam de sua interdependência mútua e, como cidadãos, dão forma e prosseguimento às relações preexistentes de reconhecimento mútuo, transformando-as de forma voluntária e consciente em uma associação de jurisconsortes livres e iguais. Com isso, a arquitetônica liberal do Estado e da sociedade sofre uma mudança importante. Ao lado do poder administrativo e dos interesses próprios, surge também a solidariedade como terceira fonte de integração social.
Esse estabelecimento da vontade política horizontal, voltada ao entendimento mútuo ou ao consenso almejado por via comunicativa, deve gozar até mesmo de primazia, se considerado do ponto de vista tanto genético quanto normativo. Para a práxis de autodeterminação por parte dos cidadãos no âmbito do Estado, aceita-se uma base social autônoma que independa da administração pública e da mobilidade socioeconômica privada, e que impeça a