Relato de um Migrante
Nasci na zona rural de Irecê, Bahia. Meu pai era álcoolatra, e minha mãe suicidou-se quando eu tinha três anos de idade.
Eu e meus irmãos fomos enviados para casas de parentes diversos, separadamente. Passei muitos anos sem ter contato com eles.
Fui morar com uma tia, que me batia muito. Minha prima também brigava muito comigo, e eu me sentia excluída. Ainda hoje, ao olhar para meu osso do braço deslocado, lembro da vez em que caí de um cavalo e quebrei o braço, mas ninguém deu atenção. Apanhei do meu tio, e o osso colou sozinho, e torto. Ninguém se importou comigo ou com minha dor.
Aos 12 anos fui mandada para Salvador para morar com uma senhora que iria me “criar”. Disseram-me que eu faria parte da família, mas não foi isso que aconteceu.
Eu fazia todo tipo de serviço doméstico, como lavar, passar, arrumar... só não cozinhava.
Não recebia nenhum dinheiro pelo trabalho, mas apanhava quando fazia alguma coisa “errada”, como no dia em que perdi o dinheiro da feira.
Meus sentimentos eram ambíguos, pois eu queria me sentir parte da família, e talvez o amor viesse se eu trabalhasse direito.
Os parentes dessa senhora vinham visitá-la, e eu não conseguia enxergá-los como meus parentes. Servia comida e bebida, e depois me recolhia ao meu quarto.
Só depois de alguns anos percebi que na realidade eu trabalhava como empregada doméstica, sem no entanto receber nada por isso. Para ela, o meu pagamento era a comida, a bebida e o quarto que eu recebia, e de vez em quando um dinheiro para comprar um pastel ou um sorvete.
Nos últimos anos que vivi nesse lugar recebia de vez em quando R$ 100,00.
Também tive um namorado: 9 anos perdidos. Ele também tomava conta da minha vida e não me deixava fazer nada. Tinha ciúmes doentios.
Depois de quase 14 anos nessa vida, um episódio foi decisivo para mudar a minha vida. Fiquei grávida desse rapaz.
Tomada pelo desespero, por saber que jamais saíria da dominação de toda essa gente, ao ter um filho