Receber não é compor - Daime
ECEBER NÃO É COMPOR”: MÚSICA E
EMOÇÃO NA RELIGIÃO DO
SANTO DAIME
Lucas Kastrup Fonseca Rehen
Introdução
A “doutrina do Santo Daime” – religião nascida na floresta amazônica da década de 1930 – é caracterizada pelo consumo de uma potente substância psicotrópica (Ayahuasca-Santo Daime) e vem se expandindo pelo Brasil e o mundo desde os anos 1980. Uma das principais bases dos rituais é a execução de centenas de cânticos religiosos, cujas letras são encadernadas e lidas (ou memorizadas) por todos os participantes, que entoam as canções de louvor,
“bailam” e/ou tocam instrumentos musicais ao longo das cerimônias, chegando até doze horas seguidas de canto e dança.
O objetivo específico do presente texto é investigar a categoria nativa que descreve a gênese dos hinos religiosos do Santo Daime como sendo um
“recebimento” e não uma “composição musical” – tomando o ponto de vista de participantes de camadas médias, residentes na cidade do Rio de Janeiro e seguidores da vertente fundada por Sebastião Mota de Melo como base empírica da reflexão1. Como veremos, a modalidade do “recebimento de hinos” obedece a uma forma peculiar de entender e experimentar os sentimentos e os pensamentos, o que influencia a performance musical dos neófitos e a hierarquia estabelecida entre eles.
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Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 27(2): 181-212, 2007
A metodologia utilizada é a observação participante em aproximadamente vinte e quatro cerimônias de “hinário”, presenciadas entre os anos de 2005 e
2007. Esses rituais são celebrados nas datas de maior destaque no calendário religioso do Santo Daime e optei por analisá-los devido ao fato de que somente nos “hinários” visualizamos a dança coletiva aliada ao canto em uníssono e o toque dos instrumentos musicais.
Os dados aqui analisados são formados pelo conjunto de oito entrevistas em profundidade: entre os informantes estão Paulo Roberto Silva e Souza e
Nilton Lucas Caparelli – líderes,