Raízes do Brasil - Herança Cultural - Sérgio Buarque de Holanda
Toda a estrutura de nossa sociedade colonial teve sua base fora dos meios urbanos. Se não foi uma civilização agrícola o que os portugueses instauraram no Brasil, foi, sem dúvida, uma civilização de raízes rurais. 1888 representa o marco divisório entre duas épocas.
Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos dos fazendeiros quem monopolizava a política fundando a estabilidade das instituições nesse incontestado domínio. Tão incontestado que muitos representantes da classe dos antigos senhores puderam dar-se ao luxo de inclinações antitradicionalistas e mesmo de empreender alguns dos mais importantes movimentos liberais. A eles também se deve o bom êxito de progressos materiais que tenderiam a arruinar a situação tradicional, minando aos poucos o prestígio de sua classe e o trabalho escravo.
Nunca talvez, fomos envolvidos, em tão breve período, por uma febre tão intensa de reformas como a que se registrou nos meados de 1851 a 1855. O caminho aberto por semelhantes transformações só poderia levar a uma liquidação mais ou menos rápida de nossa velha herança rural e colonial, ou seja, da riqueza que se funda no emprego do braço escravo e na exploração extensiva e perdulária das terras de lavoura.
Não é por simples coincidência cronológica que um período de excepcional vitalidade tenha ocorrido nos anos que se seguem imediatamente ao primeiro passo dado para a abolição da escravidão, ou seja, a supressão do tráfico negreiro. Passo decisivo e heróico, tendo-se em conta a trama de interesses mercantis poderosos e prejuízos que a Lei Euzébio de Queirós iria golpear de face (intensificação das atividades britânicas de repressão ao tráfico).
Essa extinção de um comércio que constituíra a origem de algumas das maiores fortunas brasileiras do tempo deveria deixar em disponibilidade os capitais até então comprometidos na importação de negros. A possibilidade de interessá-los em outros ramos de negócios não escapou a