Quando a justiça manda matar
SÓCRATES – Não se deve nunca cometer uma injustiça?
CRÍTON – Não, certamente.
SÓCRATES – Não se deve, pois, tampouco, responder à injustiça com a injustiça, uma vez que não é jamais permitido ser injusto?
CRÍTON – Claro que não.
SÓCRATES – E fazer o mal, Críton, deve-se ou não se deve?
CRÍTON – Certamente não, Sócrates.
SÓCRATES – E reagir ao mal com o mal, será isto justo, como freqüentemente se diz, ou injusto?
CRÍTON – Não, isto não é justo.
SÓCRATES – Quer isto dizer que não há diferença alguma entre fazer mal aos outros e ser injusto, não é verdade?
CRÍTON – É verdade.
SÓCRATES – Não se deve, portanto responder à injustiça com a injustiça nem fazer mal a ninguém, qualquer que seja o mal que nos tenha sido feito.
Tome cuidado, Críton, para não reconhecer isto levianamente; pois sei que há e haverá, sempre, muito poucas pessoas convencidas dessa verdade.
Platão, Críton, X.
No recinto onde se realizou a Conferência das Nações Unidas sobre a proteção dos direitos fundamentais, em Viena, em junho de 1993, um painel montado por organizações não-governamentais causou forte emoção. Exibiram-se fotografias de lapidações de mulheres infratoras da lei religiosa no Irã, juntamente com um manual técnico-litúrgico onde se discutiam as qualidades ofensivas das diversas espécies de calhaus: pontiagudos, lacerantes, rombudos etc.
Infelizmente, nenhuma voz se levantou na ocasião para denunciar a hipocrisia: as pessoas se comoviam com a maneira considerada primitiva de se fazer uma execução capital, mas não com o fato da legalidade da pena de morte. De acordo com a opinião geral, o que está errado é, tão-só, a crueldade das penas: cruel and unusual punishments, como se diz na 8ª emenda à Constituição americana; “penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, como dispõe o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pelas Nações Unidas em 1966; ou, simplesmente, “penas cruéis”, como declara a nossa