Psicoterapia: um sobrevôo
Luiz A. G. Cancello
A origem do encontro terapêutico pode ser buscado na antropologia e na história. Em todas as sociedades conhecidas, os homens buscaram, para o alívio de seus males, um determinado membro de sua comunidade referendado para ser o conselheiro, o pajé, o xamã, o sábio, ou qualquer outro nome que se dê a tal personagem. Talvez pareça pretensão iniciar por este caminho uma possível compreensão do papel do psicólogo em nosso meio. Creio, no entanto, que as bases para um entendimento histórico do fenômeno começam por esta via. O referendum, hoje, é o diploma universitário, e, nos melhores casos, um curso de formação e o submeter-se à psicoterapia em alguma "linha", substituição científica da iniciação do feiticeiro. Apesar de o psicólogo saber que não é conselheiro ou pajé, freqüentemente o cliente age como se estivesse frente a frente com esse tipo de "salvador". O terapeuta, na falta de outros deuses, é ungido pela suposta deusa da Ciência.
Dois processos históricos ajudam a compreender o surgimento do psicólogo como terapeuta. O primeiro é o progressivo desaparecimento do "médico de família", aquele que tratava de duas ou três gerações de um mesmo clã, freqüentando a residência (e a intimidade) de seus clientes - e que atende, hoje, nos consultórios conveniados e no SUS. O outro prende-se à paulatina dessacralização do universo, cada vez mais interpretado sob a égide da ciência, fragmentando os campos do saber e abrindo um espaço antes reservado à confissão e ao ministro religioso. O psicólogo entra na História por essas brechas, ocupando os lugares vagos com suas teorias, espremido entre a casa e a rua, o científico e o esotérico, misto de rigor e de fé.
As teorias psicológicas, como todas as concepções em Ciências Humanas, sofrem a influência das mudanças tecnológicas dos períodos históricos em que tomam forma. O surgimento da locomotiva movida a vapor, no século XIX, seguida pelo motor a explosão, encurtara