psicologia

Poiesis - Estudo da ciência da arte. , v.4, p.149 - 161, 2002

As fendas e os liames do deserto1

Leila Domingues Machado2

Um pequeno vilarejo estende suas casas e arruelas pelo deserto. O tom pastel predomina. Perto dali, no pátio de uma escola, uma árvore exibe a aridez em sua forma e em sua sombra escassa. Sob a árvore vemos um jarro d’água e ouvimos o som de uma caneca amassada que roça o barro junto ao vento. A água imprime sua presença, sua necessidade e seus acasos.
Em torno do jarro, as crianças bebem água, brigam, brincam, expressam conflitos e sonhos que perpassam suas vidas. É ali que se encontram. É ali que se anuncia a forte presença do deserto. Deserto que pode ser percebido somente em sua aridez ou, ao contrário, nos agenciamentos que ali se fazem.
O ritual que circunda a sede e o seu saciar é interrompido por uma voz que anuncia a presença de rachaduras no jarro. “O jarro está quebrado”. A fissura percorre muitos pontos e faz a água escorrer desaparecendo por entre a areia.
O excesso de barulho que produzem contrasta com o silêncio inquietante do deserto que os cerca. Deserto3 povoado de encontros invisíveis e intensivos, de repousos, velocidades e lentidões imprevisíveis que pedem passagem. No entanto, muitas vezes, eles se tornam surdos ao seu silêncio. É quando a cada novo acontecimento parece ser preciso produzir muitas falas, em uma árida sonoridade. Falas de lamúria, falas de julgamentos apressados, falas de acusações, falas de verdades, falas de desinformação, falas de ressentimento, falas de culpa... “Quem quebrou o jarro?”. A pergunta desfaz a

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Artigo publicado na revista Poiesis - Estudo da ciência da arte. , v.4, p.149 - 161, 2002.
Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP e Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional da Universidade Federal do
Espírito Santo – e-mail: [e-mail].
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Sobre essa idéia de deserto consultar Deleuze &