Processos cognitivos
Adriano Duarte Rodrigues
Um dos fenómenos mais enigmáticos da nossa experiência da linguagem, quando paramos para reflectir, tem a ver com o facto de raramente querermos dizer aquilo que efectivamente dizemos. Em geral, queremos dizer ora menos, ora mais, ora coisas diferentes daquelas que os enunciados que produzimos dizem. Observemos o seguinte diálogo entre o marido e a mulher:
Marido: Estou a pensar ir ao cinema logo à noite. Mulher: Gostaria muito de ir contigo, mas tenho um trabalho para acabar. Marido: É pena. Então vou sozinho. Mulher: Depois contas-me o filme.
O que é que o marido disse? Que estava a pensar ir ao cinema nesse dia à noite. Mas será isto que ele quis dizer? Se repararmos não foi a isto que a mulher respondeu. A mulher respondeu a um convite para ela ir com ele ao cinema nessa noite. Será que foi isso que ele quis dizer? Aparentemente sim, porque se não fosse, a resposta dele não teria sido “É pena. Então vou sozinho”, mas qualquer coisa como “Eu não te estava a convidar para ires comigo, mas a informar que estou a pensar ir ao cinema logo à noite”. Por seu lado, se repararmos bem, a mulher também não disse aquilo que ela queria dizer. O que é que ela disse? Que gostaria muito de ir com o marido ao cinema, mas que tem um trabalho para acabar. E o que é que o marido entende? Que não aceita o convite para ir com ele ao cinema. Será também isto que ela quis dizer? Parece óbvio que sim, porque se não fosse, a mulher não lhe teria respondido “depois contas-me o filme”, mas qualquer coisa como “não vais não, porque eu vou contigo”. Como podemos ver por este exemplo aparentemente trivial, que pode ocorrer numa conversa entre qualquer casal, aquilo que queremos dizer não corresponde exactamente àquilo que as nossas palavras significam, mas depende da situação do discurso, do conjunto de dados que os interlocutores não podem deixar