Políticas
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¿Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? 1
Evelina Dagnino*
A implantação em âmbito global do projeto neoliberal trouxe profundas conseqüências para as sociedades latino-americanas. Se essa constatação é hoje senso comum no que se refere à reestruturação do Estado e da economia, os impactos desse processo sobre a cultura política de nossos países são menos reconhecidos e menos ainda em suas especificidades nacionais. O texto que segue discute as feições que assumem hoje no Brasil esses impactos e sugere a existência de uma confluência perversa entre um projeto político democratizante, participativo, e o projeto neoliberal, que marcaria hoje, desde nosso ponto de vista, o cenário da luta pelo aprofundamento da democracia na sociedade brasileira.2 Examina também a disputa político-cultural e os deslocamentos de sentido que ela opera em três noções —Sociedade Civil, Participação e Cidadania— como referências centrais para o entendimento dessa confluência. Finalmente, analisa preliminarmente as implicações desse processo de re-significação para as representações vigentes de política e de democracia. O processo de construção democrática enfrenta hoje no Brasil um dilema cujas raízes estão na existência de uma confluência perversa entre dois processos distintos, políticos distintos. De um lado, um processo de alargamento da democracia, que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas (Teixeira, Dagnino e Silva, 2002). O marco formal desse processo é a Constituição de 1988, que consagrou o princípio de participação da sociedade civil.3 As principais forças envolvidas nesse processo compartilham um projeto democratizante e participativo, construído desde os anos oitenta ao redor da expansão da cidadania e do aprofundamento da