Polack, J.C.
Trabalho analítico e processos psicóticos
Jean-Claude Polack e Danielle Sivadon
INTRODUÇÃO
Neste século de todas as loucuras, por que ainda falar da psicose, esse fragmento de espelho que cada um carrega com grande esforço para que lhe sejam menos estranhas suas próprias rupturas e as das sociedades que acreditou compreender? Viemos de infâncias paralelas, ignorantes uma da outra. Ele, judeu. Cidades cada vez mais latinas o protegeram do nazismo. Descobriu concomitantemente os campos do exílio e as ilhas do Caribe. Ela, filha de psiquiatra. Foi criada por “empregadas” parafrênicas, cujos delírios, já antigos, as diziam “inocentes”. Eram-lhes confiadas a cozinha, as crianças e os cães nos vastos domínios dos hospitais em que, durante a Ocupação, por trás dos fossos, agia o “extermínio suave”. Assim, desde cedo carregamos em nós mesmos o “asilo”. Ele nos protegeu das loucuras da história. E continuamos a falar do asilo aqui, quaisquer que tenham sido, ao longo dos anos, os nomes que ele adotou. Utopias coletivas, militâncias, psicoterapia institucional. Sempre é necessário um lugar que permita viver e encontrar o outro. Provisoriamente, chamamos nossas construções singulares de “Quimeras” ou “Monstros”; com cada alma vagabunda, exploramos seus estratos e contornos. Tudo pode formá-los, ou melhor, deformá-los: um ataque de mau humor ou a queda do muro de Berlim. E sua combinatória nos interessa mais que sua significação. A psicoterapia analítica das psicoses parece a priori uma empreitada desmedida. De Freud – que a dizia impossível pela ausência de “transferência” – até Lacan – que não quis estabelecer nada além de suas “preliminares” –, a psicanálise permanece no limiar desse domínio no qual a falha simbólica proíbe e torna perigosa a associação livre de figuras e palavras, o desenfreamento sistemático do pensamento. Bleuler já afirmava que uma quantidade três vezes maior de pacientes saía de Burgholzli2 depois de