Poesia
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Intérprete: Romeu Weber
A sanga beijou meus pés nessa tarde...
Não pedi, foi algo natural, de improviso.
Ela simplesmente chegou,
Beijou meus pés e continuou a correr.
A sanga não pediu licença, mostrou a cara...
Não tinha garras afiadas nem pensamentos vãos.
Sabia bem o que queria: correr, correr e correr.
A sanga me lembrou de um moço, já faz tempo...
Um mocito pleno de esperanças,
Pechando o vento de frente,
Comendo poeira e distâncias,
Gastando pingos e esporas pelas volteadas do mundo,
Pois simplesmente queria correr, correr e correr.
Talvez os olhos do moço
Mirassem mais que a visão...
Procurando pela vida
Muito mais que água e pão.
Talvez buscassem sustento
Além do frio das paredes,
Pra toda a fome e a sede
Da alma e do coração.
E foram tantos galopes
E tantas encruzilhadas...
E foram tombos e golpes,
Vitórias e retiradas.
O moço não se aquietava
Por nada nem por ninguém,
E tinha os olhos afiados
De sempre enxergar além.
Por certo os olhos do moço,
Por mais que pudessem ver...
Por mais que mirassem claros
Os raios do amanhecer,
Jamais, jamais enxergaram
Que o futuro que buscavam
Se resumia em somente
Correr, correr e correr.
Esse mocito pachola
Correu, correu mundo afora
Sem nem saber onde ir;
E qual a sanga de agora
Sofreu cheias e estios...
Mas o mocito pachola,
Gastando pingos e esporas,
Jamais achou o seu rio.
A sua alma de sanga
Um dia cansou de andar;
Mas, diferente das águas,
O moço pode voltar.
A sanga beijou meus pés nessa tarde
E eu me senti em casa;
O moço voltou, enfim...
Mais velho, sim, mas voltou.
O mesmo rancho de antes,
A mesma varanda amiga...
E nos olhos a fumaça
De uma saudade antiga
Que pelos bretes da vida
Sangrou, sangrou e sangrou.
A sanga beijou meus pés
Feito quem abre uma porta
Pra quem se achega cansado...
Pra quem traz dentro do peito
Um mosaico de silêncios
E um coração