poemas
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.
Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.
Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.
(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Elisa Costa Pinto et alii, Plural 12º ano – Livro do Professor – Português, Lisboa Editora
Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.
Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.
Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.
Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
‘Stou no meu olvido...
Dorme, coração...
Zaida Braga, Auxília Ramos, Elvira Pardinhas, ABORDAGENS 12, Porto Editora
ABDICAÇÃO
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho... eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia http://www.umfernandopessoa.com "Abdicação" é também um poema que aborda um tema querido a Pessoa - a noite e a solidão. Neste caso a noite é simbólica de um estado de solidão que Pessoa bem conhecia - era a sua realidade quotidiana. Tão triste e simultaneamente calmo é o poema... isto porque a tristeza que Pessoa sente, é uma tristeza de abandono, de quem deixa de resistir: eis o porquê do titulo do poema, abdicação. Quem abdica, é por desistir