Poeira
KÁTIA BRASILINO MICHELAN*
Apresentação do problema.
“El-Rei Dom João o primeiro, começou a conquista de África, tomando Ceuta, Baluarte da Cristandade, & Chave de toda Espanha, Porta do comércio do poente para levante." Frei Amador Arrais
O cronista português Gomes Eanes de Zurara (1410-1474), ao compor a Crónica dos Feitos da Guiné, iniciada em 1453 e terminada em 1464 (BARRETO, 1983: 66), retoma a Tomada de Ceuta (1415) – evento anterior da chegada à Guiné (1446) pelos portugueses – para enaltecer o rei D. João I (1385 – 1433):
[ ...]a gloriosa fama da muito notável empresa tomada por este virtuoso e nunca vencido príncipe senhor rei Dom João que seu propósito deterem forçosamente pelas armas conquistar uma tão nobre e tão grande cidade como é Ceuta, no qual feito podemos esguardar quatro cousas: grande amor da fé, grandeza de coração, maravilhosa ordenança e proveitosa vitória. A qual foi maravilhoso o preço de seu trabalho [...](ZURARA, 1973: 3).
Zurara destaca que foi o amor do rei D. João I pela fé cristã que teria motivado a conquista do território mouro em Marrocos. O historiador Luís de Sousa Rebelo, por sua vez, afirma que “o discurso histórico da expansão elege devidamente como termo a quo da narrativa a tomada de Ceuta no Norte de África em 1415” (1998: 175). No entanto, na Crónica da Tomada de Ceuta, de Gomes Eanes da Zurara, principal e mais célebre narrativa sobre o evento, e nos trechos sobre Ceuta da Crónica da Guiné, não há a perspectivação de conjunto nem a visão global da expansão portuguesa perceptível nos cronistas quinhentistas e na epopeia camoniana. Dessa forma, deve-se considerar que a Tomada de Ceuta, na obra de Zurara, é muito mais um episódio notável da História do reinado de D. João I e dos infantes do que um evento a ser tomado como marco inaugural para o que paulatinamente passou a ser entendida
Doutoranda em História pela Universidade Estadual Paulista