Permissao para ser infeliz
A psicóloga Rita de Cássia de Araújo Almeida conta como a demanda por felicidade vem crescendo nos serviços de saúde mental da rede pública
Por ELIANE BRUM
Há alguns anos me pergunto se o “direito à felicidade”, que se tornou uma crença partilhada tanto por religiosos quanto por ateus na nossa época, tem sido causa de considerável sofrimento. Se você acredita que tem direito à felicidade, de preferência todo o tempo, ao sentir frustração, tristeza, angústia, decepção, medo e ansiedade, só pode olhar para esses sentimentos como se fossem uma anomalia. Ou seja: eles não lhe pertencem, estão onde não deveriam estar, precisam ser combatidos e eliminados. O que sempre pertenceu à condição humana passa a ser uma doença – e como doença deve ser tratado, em geral com medicamentos. Deixamos de interrogar os porquês e passamos a calar algo que, ao ser visto como patologia, deve ser “curado”, porque não faz parte de nós. É um tanto fascinante os caminhos pelos quais a felicidade vai deixando o plano das aspirações abstratas, da letra dos poetas, para ser tratada em consultório médico. E, ainda mais recentemente, como objeto do Direito e da Lei, inclusive com proposta de emenda constitucional.
Quem acompanha esta coluna sabe que a felicidade tem sido um tema assíduo. Acredito que poucos fenômenos são tão reveladores sobre a forma como olhamos para a condição humana em nosso tempo como o “direito à felicidade”. Sem esquecer que este tema está relacionado a outros dois fenômenos atuais: a medicalização da vida e a judicialização dos sentimentos. Ou, dito de outro modo: tratar o que é do humano como patologia e dar aos juízes a arbitragem dos afetos.
É importante – sempre é – ressaltar que obviamente existem doenças mentais e situações nas quais o uso de medicamentos é necessário e benéfico, desde que com acompanhamento rigoroso. O que se questiona aqui são os casos – infelizmente frequentes – de leviandade nos diagnósticos