PEQUENO DICIONARIO
José Pacheco
O porquê de mais um dicionário
(à guisa de prefácio)
Como o tempo passa! O milénio quase completou uma década. E já passou mais de um ano sobre o dia em que entreguei um macinho de cartas a uma Alice, que, entretanto, aprendeu a ler. E que não pára de me pedir contas de uns termos eruditoides que eu deixei escapar no calor da narrativa – razão primeira deste dicionário.
Não lamento as horas de falatório com a Alice – afinal, para que servem os avós? – e, como todo o avô que se preza, gostosamente me penitencio do recurso a vocábulos mais elaborados e esclareço o sentido das passagens mais rebuscadas das cartas.
Para um avô ávido de um pretexto para uma boa conversa de avô para neta, é delicioso tê-lo, assim, à mão de semear. Os nossos diálogos são como um semear de palavras que encurtam o fosso geracional e me permitem continuar a aprender com a Alice, consciente de que um avô jamais chegará sequer a intuir mistérios que os netos hão-de desvendar. Escrever para adultos é fácil. Difícil é explicar a uma criança – em linguagem de gente, claro está! – o sem-sentido da Escola que tivemos até ao princípio deste século. Relendo as cartinhas com a Alice, juntei-lhes algumas notas de pé de página pretensamente clarificadoras. Até cheguei a ensaiar a feitura de um glossário. Acumulei tantas e tão díspares explicações, que deliberei reuni-las em volume, aceitando o desafio que um amigo me colocou: o de elaborar um pequeno “Dicionário de Absurdos”.
Como é fácil de ver, tratar-se-á de uma obra monumental, dada a quantidade de entradas possíveis. Conclusão óbvia: este não poderá ser um empreendimento solitário. Darei à estampa o primeiro volume. E estou a pensar convidar alguns amigos que, nos conturbados tempos do princípio deste século, açoitavam os ancestrais hábitos de uma
Escola autista e obsoleta.
Dessa Escola restam somente vestígios. Mas a Alice é uma jovem avisada e previdente.