PCC GabrielFeltran
9598 palavras
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CRIME E CASTIGO NA CIDADE: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São PauloGabriel de Santis Feltran*
DOSSIÊ
Gabriel de Santis Feltran
Os moradores das periferias de São Paulo, quando enfrentam situações consideradas injustas no seu dia a dia, podem recorrer a diferentes instâncias de autoridade em busca de justiça. A escolha da instância a acionar depende do tipo de problema enfrentado. Por exemplo, se um homem tem um emprego e durante anos não recebeu as horas extras a que tinha direito, recorrerá à justiça do trabalho. Se uma mãe não recebe a pensão alimentícia do ex-marido, acionará a justiça civil. Se ela teve um filho preso injustamente, ou se ele sofreu violência policial na favela em que vive, tentará recorrer à imprensa e, se não der certo, a entidades de defesa de direitos. No limite, restará sempre o recurso à “justiça divina”. Mas, se alguém da família foi roubado, agredido, coagido ou morto (e os agentes da ação criminosa não foram policiais), será feita uma queixa a uma autoridade lo-
* Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Professor
Adjunto da Universidade Federal de São Carlos - São
Paulo.
Rodovia Washington Luis, km 235. Cep: 13565-905. São
Carlos, SP – Brasil. gabrielfeltran@gmail.com.
cal do “mundo do crime”.1 Caso seja preciso, e por intermédio de “irmãos” (membros batizados do Primeiro Comando da Capital – PCC), será organizado um “debate” para arbitrar a contenda e executar medidas que façam justiça.
Assim, para além do Estado e da justiça legal, um morador das periferias de São Paulo tende hoje a identificar como instâncias de autoridade capazes de fazer justiça: (i) integrantes do “crime” e, sobretudo, do PCC, progressivamente legitimados como zeladores da “lei” (também chamada de “ética”, ou “proceder”), amparada em costumes que regem a conduta dos “bandidos” onde quer que eles morem, ou por habitantes das favelas nas quais eles são considerados como autoridades; (ii) os meios de comunicação de massa,