Para alice com amor
Aqui estou, entregando-lhe este montinho de cartas. Quando a decifração dos códigos da linguagem dos homens lhe permitir, você há de lê-las. São tantas quantos os dias que mediaram o dia de você completar seis anos e o dia de ir à escola. Esta é a última das cartas, mas não o fim da história.
Este é o dia da sua primeira ida à escola, o início de uma outra história. E ambas terão os desfechos que lhe quiser dar.
A vida é uma históra sempre inacabada a que podemos conferir diferentes desenlaces. Basta que não nos confinemos aos estreitos limites do entendimento das coisas e dos seres deste nosso tempo da proto-história dos homens. Quando, depois de extintos os ecos do tempo da história, os homens acederem à era do espírito, hão de entender a fragilidade dos paradigmas que sustentavam as suas ciências. Hão de reconhecer como aparentes as suas imutáveis realidades. Hão de reconhecer a falsa moral de suas histórias, se comparada com a doce amoralidade dos pássaros.
Quero que saiba que, quando os homens acreditavam que o seu mundo era plano e limitava-se aos mediterrânicos limites, já os pássaros sabiam que o planeta tinha forma arredondada, por o terem sobrevoado de ponta a ponta. No tempo em que os homens acreditavam que eram o centro do mundo e viam abismos e monstros na linha do horizonte, os pássaros redefiniam zênites e provavam que o espaço é ilimitado como a música e os sonhos. Onde, antigamente, os homens idealizaram um céu de vida eterna para os seus eleitos, havia pássaros. No lugar onde imaginaram situar-se o trono dos seus deuses, não havia uma "pomba estúpida" à medida dos seus medos, mas o espírito dos pássaros. Quando os desvendadores dos segredos dos mares atingiram novos mundos, encontraram pássaros. Quando os homens voaram até a Lua e dela contemplaram o planeta azul, compreenderam que o azul que separava do imenso e negro espaço não tinha segredos para os pássaros que, há séculos, o habitavam. E quando os astrônomos espreitaram