Os três princípios e as doenças: a visão de dois filósofos químicos
Os séculos XVI e XVII testemunharam o surgimento e o ápice de agudos debates em torno da medicina em território europeu. Como herança da Idade Média, vários tipos de praticantes da medicina coexistiam, disputando o mercado destinado ao que hoje chamaríamos "profissional da saúde". Havia médicos eruditos, que estudavam e ensinavam nas Universidades, seguindo a tradição médica dos gregos antigos. Entre estes eruditos, havia os que aceitavam os trabalhos medievais - uma vez que a medicina grega fora assimilada e enriquecida principalmente no medievo muçulmano. Outros eruditos, porém, contagiados pelo humanismo renascentista, defendiam o retorno à pureza dos textos originais gregos - muitos dos quais haviam sido recém-descobertos e traduzidos para o latim ou para línguas vernáculas. Além destes médicos formados em Universidades, havia aqueles que, mesmo sem o estudo formal, baseavam sua prática nas teorias médicas clássicas e árabes. Havia também médicos mais empíricos, cujas preocupações teóricas eram muito mais pragmáticas - como o uso da astrologia para o prognóstico de doenças ou de tabelas com padrões para análise visual de urinas. Ao lado dos médicos, existiam os cirurgiões, que exerciam um trabalho mais manual, relacionado ao tratamento de feridas externas, redução de fraturas, amputações, etc. Muitas vezes, os cirurgiões eram também barbeiros. Outra categoria era a dos boticários, cuja prática deveria se limitar à preparação de medicamentos, a serem receitados por médicos. Muitas vezes, porém, os boticários prescreviam remédios aos doentes por conta própria1.
Foi neste cenário multifacetado que surgiu a polêmica figura de Theophrastus von Hohenheim, ou Paracelso (1493-1541). Paracelso sintetizou em sua obra, usando uma articulação diferente, vários aspectos da filosofia, da medicina e de outras formas de conhecimento que podem ser identificados isoladamente em muitos autores anteriores e contemporâneos a ele2. Essa síntese paracelsista tinha,