Orson welles
“Truffaut, sempre um crítico e um cineasta fundamentalmente conservador, disse que “se Cidadão Kane envelheceu, isso se aplica aos seus aspectos experimentais”. Parece-me que o contrário é verdadeiro. Todos os “truques” de Welles - as experiências com o som, os stills que ganham vida, as montagens complexas, a elasticidade da perspectiva, os ângulos inusitados das tomadas – são os aspectos que ainda justificam interesse pelo filme. Nunca ninguém defendeu a idéia de que suas relações com a literatura, seu retrato da psicologia de Kane, sua análise da sociedade e da política americanas da primeira metade do século, ou sua anatomia do amor, do poder ou do dinheiro fossem muito complexas. Ou se o fizeram, não há necessidade de levar isso tudo a sério. [...] A verdade é que o conteúdo de Cidadão Kane não deve ser levado a sério. [...] São os aspectos “maneiristas” de Welles que ainda são significativos, [...] sua elaboração de uma poética formal que transformou nosso conceito de cinema ao construir o conceito de filme como um jogo de significados, mais do que um veículo para eles.” (Ensaio do crítico Peter Wollen: Coletânea de ensaios editada por James Naremore em 2004: “Orson Welles’s Citizen Kane: a Casebook”)
É assim que a operação crítica faz com que os avanços técnicos do filme – os “truques”, pelos quais Cidadão Kane é justamente famoso- sejam finalmente libertos de sua carga de conteúdo e oferecidos como fetiche, disponíveis num grande supermercado de formas, que agora podem ser requentadas para os mais diversos propósitos. Apesar de bibliotecas terem sido escritas a respeito de Cidadão Kane, a fortuna crítica ainda nos deve uma análise à altura de seu interesse e complexidade. De maneira geral, a fortuna crítica de Welles reafirma um dos diagnósticos mais comuns: o do princípio da “indeterminação”, da impossibilidade de fixar os significados do filme. Proposição de que os conteúdos do filme são políticos: defendida por Laura