NOTAS SOBRE A HISTÓRIA JURÍDICO-SOCIAL DE PASÁRGADA
Boaventura de Sousa Santos
Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison;
Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra;
Diretor do Centro de Documentação “25 de Abril” da mesma Universidade.
Introdução
Este texto faz parte de um estudo sociológico sobre as estruturas internas de uma favela do Rio de Janeiro, a que dou nome fictício de Pasárgada. Este estudo tem por objetivo analisar em profundidade uma situação de pluralismo jurídico com vista à elaboração de uma teoria sobre as relações ente Estado e Direito nas sociedades capitalistas.
Existe uma situação de pluralismo jurídico sempre que no mesmo espaço geopolítico vigoram
(oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. Esta pluralidade normativa pode ter uma fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra; pode corresponder a um período de ruptura social como, por exemplo, um período de transformações revolucionárias; ou pode ainda resultar, como no caso de Pasárgada, da conformação específica do conflito de classes numa área determinada da reprodução social - neste caso, a habitação.
A favela é um espaço territorial, cuja relativa autonomia decorre, entre outros fatores, da ilegalidade coletiva da habitação à luz do direito oficial brasileiro. Esta ilegalidade coletiva condiciona de modo estrutural o relacionamento da comunidade enquanto tal com o aparelho jurídico-político do Estado brasileiro. No caso específico de Pasárgada, pode detectar-se a vigência não oficial e precária de um direito interno e informal, gerido, entre outros, pela associação de moradores, e aplicável à prevenção e resolução de conflitos no seio da comunidade decorrente da luta pela habitação. Este direito não-oficial - o direito de
Pasárgada, como poderei chamar - vigora em paralelo (ou em conflito) com o direito