Você, habituado a saltar por cima dos séculos, de certo julgará que a ciência é exasperadamente lenta, como dizia o poeta Rimbaud. é surpreendente que psicólogos e psicanalistas, nem os psiquiatras, tenham se interessado pela sua valorosa contribuição aos conhecimentos sobre a psiquê. Quem estuda a época com o mínimo de atenção, verá logo como você valoriza a alegria e desdenha os sentimentos de tristeza. A alegria, você afirma, é a passagem do homem de uma perfeição menor a uma perfeição maior, e inversamente, a tristeza, é a passagem de uma maior a uma menor perfeição. A alegria aumenta o poder de agir, enquanto a tristeza o diminui. quanto ao amor, ah, você o define como a alegria acompanhada de uma ideia, de uma causa exterior. No clima de opinião cartesiano, em que a razão, o pensamento, reina absoluta, muito distante da extensão da matéria, certamente escandalizava sua afirmação de não saber por que a matéria seria indigna. Nosso Machado de Assis percebeu algo dessa relação quando disse num soneto: "Nas mãos a ferramenta do operário, no cérebro, a coruscante ideia." Na faculdade de medicina, eu passei por uma formação cartesiana. Lembro-me como se fosse hoje de uma aula de prática de fisiologia que tinha como tema o mecanismo de circulação. Uma rã foi distendida e pregada pelos quatro membros, crucificada, sobre placa de cortiça, e o peito aberto cruelmente para que víssemos seu pequeno coração palpitando. Os olhos da rã estavam esbugalhados ao máximo, e parecia que perguntavam-nos: por que tanta crueldade? pra que tanta crueldade? pra que tanta ruindade? Pra nada. Ninguém aprendeu coisa nenhuma com essa estúpida aula. Com toda atenção eu leio na ética, isso que dissemos é geral e não pertence mais aos homens que aos outros indivíduos, os quais são todos dotados de almas, embora de graus diferentes. Suas concepções de unidade, de mundo, levaram-me a esperar que você se abrisse ao reconhecimento do amor de todos os seres