Na Glória, encontrei o mestre
10/03/14 21:54
Arquivo aberto
MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
Na Glória, encontrei o mestre
Rio, 1943
EVANILDO BECHARA
Aquela tarde de sexta-feira de 1943 seria igual às outras em que meu tio-avô, de folga da labuta semanal, se dedicava a faxinas nos quartos externos do grande quintal de sua residência, numa tranquila rua da Boca do Mato, entre o Méier e o Engenho de Dentro.
Militar que era, servira em mais de um Estado do país, indo sempre com a casa às costas, retornando com lembranças e bugigangas que eram esquecidas em malas e velhos baús. De uns tempos àquela quadra elas precisariam ser despachadas para instituições de caridade. Dessas faxinas eu participava ativamente, ajudando meu tioavô na tarefa de separar o que podia retornar às malas e o que se destinava aos asilos.
No meio da faxina, ele virou-se para mim com um livro na mão, dizendo: "Você, que quer ser professor de português, fique com este".
Antes do repouso, tomei do livro que me fora ofertado e li: "Lexeologia do Português
Histórico" (1921), de M. Said Ali. Estranhei o título, pois esperava ver nele a palavra
"gramática", como via sempre nos compêndios que me inculcara meu excelente mestre de língua portuguesa, no então curso ginasial: Odeval Machado.
Se o título não me era comum, o autor passava desconhecido a um ginasiano de 15 anos. Tudo me levou a abrir o livro e ler, com pouco entusiasmo, os primeiros parágrafos do prólogo. Mas, ao chegar ao terceiro, facilmente se confirmou a impressão de que estava diante de uma outra visão sobre a língua.
Eis o trecho que mais me tocou: "Não dissocio do homem pensante e da sua psicologia as alterações por que passou a linguagem em tantos séculos. É a psicologia elemento essencial indispensável à investigação de pontos obscuros. As mesmas leis fonéticas seriam inexistentes sem os processos de memória e da analogia. Até o esquecimento, a
memória