Morte
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobem à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roêlos,
E háde deixarme apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Augusto dos Anjos #Moorte . Solitário Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiarme à tua porta! Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta! Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
Velho caixão a carregar destroços Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Augusto dos Anjos #Morte
Soneto Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos. 2 fevereiro 1911. Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial, Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?! Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!... Ah! Possas tu dormir, feto esquecido,
Panteísticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!
Augusto dos Anjos