Mediação feminina e identidades pentecostais*
Patricia Birman**
Resumo
Neste texto pretendo discutir o sentido de ser crente hoje para um segmento popular no Rio de Janeiro, enfatizando o contexto social em que esta identidade emerge e se torne particularmente valorizada e atraente entre as alternativas religiosas disponíveis. Parti do princípio que, no campo pentecostal, há formas diferenciadas de pertencer a esse universo religioso que ultrapassam em muito o espírito protestante que, supostamente, daria sentido a essa identidade. Pretendo me deter nos meios através dos quais as mulheres, pertencentes à Igreja Universal do Reino de Deus, criam um campo de continuidades entre crentes e não crentes, buscando desfazer o que seriam os contrastes e as rupturas entre eles. Esses mecanismos de compatibilização se fazem através da apropriação, bastante seletiva, aliás, da cultura "afro-católica" e que hoje também é exibida como um polo antagônico.
Palavras-chave: identidade religiosa, igrejas pentecostais, cultos afrobrasileiros, gênero.
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Recebido para publicação em novembro de 1996. Este artigo já foi publicado em revista internacional
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Antropóloga, PPCIS/UERJ
cadernos pagu (6-7) 1996: pp.201-226
Mediação feminina ...
Até os anos oitenta a literatura sociológica não parecia encontrar nenhuma dificuldade em apontar os traços que, a grosso modo, distinguiam, no campo religioso brasileiro, aqueles que pertenciam aos pequenos grupos pentecostais. Os chamados crentes apresentavam sinais imperativamente visíveis a respeito de tudo que os afastava dos outros - vale dizer, da população brasileira em geral, de todos nascidos e imersos no catolicismo com variadas formas de adesão aos cultos de possessão. Os contrastes que teciam o perfil dessa identidade eram assim de apreensão generalizada. Difícil não percebê-los já que eram marcados pelos traços que mais os distinguiriam em relação à cultura nacional; o crente designava assim aqueles que, pelo rigor