MATERIA SOCIO
BAUDELAIRE:
O MODERNISMO NAS RUAS
Mas agora imagine uma cidade como Paris (...), imagine esta metrópole mundial (...) onde deparamos com a história em cada esquina.
Goethe a Eckermann, 3 de maio de 1827
Não é apenas no uso de imagens da vida comum, não apenas nas imagens da vida sórdida de uma grande metrópole, mas na elevação dessas imagens a uma alta intensidade — apresentando-a como ela é, e não obstante fazendo que ela represente alguma coisa além de si mesma
— que Baudelaire criou uma forma de alívio e expressão para outros homens. T. S. Eliot, “Baudelaire”, 1930
Nas últimas três décadas, uma imensa quantidade de energia foi despendida em todo o mundo na exploração e deslindamento dos sentidos da modernidade. Muito dessa energia se fragmentou em caminhos pervertidos e autoderrotados. Nossa visão da vida moderna tende a se bifurcar em dois níveis, o material e o espiritual: algumas pessoas se dedicam ao “modernismo”, encarado como uma espécie de puro espírito, que se desenvolve em função de imperativos artísticos e intelectuais autônomos; outras se situam na órbita da “modernização”, um complexo de estruturas e processos materiais— políticos, econômicos, sociais — que, em princípio, uma vez encetados, se desenvolvem por conta própria, com pouca ou nenhuma interferência dos espíritos e da alma humana. Esse dualismo, generalizado na cultura contemporânea, dificulta nossa apreensão de um dos fatos mais marcantes da vida moderna: a fusão de suas forças materiais e espirituais, a interdependência entre o indivíduo e o ambiente moderno.Mas a primeira grande leva de escritores e pensadores que se dedicaram à modernidade— Goethe, Hegel e Marx, Stendhal e Baudelaire, Carlyle e Dickens, Herzen e
Dostoïevski — tinham uma percepção instintiva dessa interdependência; isso conferiu a suas visões uma riqueza e profundidade que lamentavelmente faltam aos pensadores contemporâneos que se interessam pela modernidade.Este capítulo é montado em torno de Baudelaire, que fez