Magalhães

Gonçalves de Magalhães: Obras

1. O Amazonas
2. Baliza natural ao norte avulta
3. O das águas gigante caudaloso,
4. Que pela terra alarga-se vastíssimo;
5. Do oceano rival, ou rei dos rios,
6. Se é que o nome de rei o não abate;
7. Pois mais que o rei supera em pompa e brilho
8. No sólio, à multidão em torno curva,
9. Supera o Amazonas na grandeza
10. A quantos rios há grandes no mundo!
11. O Kiang, o Nilo, o Volga, o Mississipe
12. Inda que as águas suas reunissem,
13. Com êle competir não poderiam.
14. Ao lado seu direito, e ao esquerdo lado,
15. Mil feudatários rios vêm pagar-lhe
16. Tributo perenal de suas águas.
17. Ressupino gigante se afigura,
18. Qual outro Briaréu, mas verdadeiro,
19. Que estende os braços pra abraçar a terra!
20. Pujante assim no Atlântico se entranha,
21. Ante si repelindo o argênteo salso,
22. Como se êle na terra não coubera,
23. Ou como de inundá-la receoso,
24. Se mais longo e mais lento a discorresse!
25. O Amazonas co Oceano furioso
26. Luta renhida trava interminável
27. Para roubar-lhe o leito; e ronca e espuma.
28. Qual no lago, enlaçada a cauda a um tronco,
29. Feroz sucuriúba hórrida ronca,
30. Quando sente mover-se à flor das águas
31. Lontra ligeira ou anta descuidada,
32. E, inchando as fauces, a cabeça eleva,
33. Os queixos escancara, a língua solta,
34. Para de uma só vez tragar o anfíbio:
35. Tal no pleito co Oceano o Amazonas
36. Para sorvê-lo a larga foz medonha
37. Léguas abre setenta! A ingente língua
38. Estende de três vezes trinta milhas,
39. Como uma longa espada que se embebe
40. Ao través do Atlântico iracundo,
41. Que gemendo recua no arremesso,
42. E em montes alquebrado o dorso enruga.
43. Armas que joga ao mar, são grossos troncos
44. Arrancados na fúria, são pedaços
45. De esboroadas montanhas que êle mina;
46. Seus gritos são trovões tão horrorosos
47. Que ali parece submergir-se o mundo;
48. Quando se incha o seu corpo desmedido,
49. Equórea,