livro a arte de resolver problemas
O homem que calculava
Malba Tahan
PREFÁCIO – MEDO
Conversemos você e eu. Falemos a respeito do medo.
A casa está vazia enquanto escrevo estas linhas; uma fria chuva de inverno cai lá fora. É noite. Às vezes, quando o vento sopra como agora, ficamos sem eletricidade. No momento, porém, ela está ligada; portanto falemos com muita franqueza a respeito do medo. Falemos de modo muito racional sobre nos aproximarmos das raias da loucura... e, talvez, ultrapassá-la. Não ergueremos as vozes e não gritaremos; conversaremos racionalmente, você e eu. Falaremos sobre o modo pelo qual a boa tessitura das coisas às vezes se esgarça de repente, de maneira chocante.
À noite, quando vou para a cama, ainda me esforço para ter certeza de que minhas pernas continuam sob as cobertas depois que apago as luzes. Já não sou criança, mas... não gosto de dormir com uma das pernas descoberta. Porque se alguma mão fria surgisse debaixo da cama e me agarrasse o tornozelo eu seria capaz de gritar. Sim, eu seria capaz de gritar a ponto de acordar os mortos. Naturalmente, esse tipo de coisa não acontece e todos nós sabemos disso. A coisa sob minha cama, esperando para agarrar-me o tornozelo, não é real.
Sei disso, como também sei que se mantiver o pé cuidadosamente coberto, ela jamais conseguirá agarrá-lo. Com muita freqüência, o resíduo retido pela tela do meu filtro mental é o material do medo. O medo é a emoção que nos cega. De quantas coisas temos medo?
Temos medo de desligar as luzes quando nossas mãos estão molhadas. Temos medo de enfiar a faca na torradeira para tirar a gordura presa antes de desligá-la da tomada. Temos medo do que o médico possa dizer quando terminar o exame. Temos medo quando o avião dá uma repentina sacudidela em vôo. Temos medo que o petróleo se esgote, que o ar puro se acabe, que a água potável desapareça, que a boa vida termine. Quando a filha promete chegar as onze e já passa da meia-noite, o granizo fustigando