Livro - vigiar e punir
A PUNIÇÃO GENERALIZADA
Que as penas sejam moderadas e proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada contra os culpados assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a humanidade. 1
O protesto contra os suplícios é encontrado em toda parte na segunda metade do século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito; entre juristas, magistrados, parlamentares; nos chaiers de doléances 2 e entre os legisladores das assembléias. É preciso punir de outro modo: eliminar essa confrontação física entre soberano e condenado; esse conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo, por intermédio do supliciado e do carrasco. O suplício tornou-se rapidamente intolerável. Revoltante, visto da perspectiva do povo, onde ele revela a tirania, o excesso, a sede de vingança e o “cruel prazer de punir”.3 Vergonhoso, considerado da perspectiva da vítima, reduzida ao desespero e da qual ainda se espera que bendiga “o céu e seus juizes por quem parece abandonada”.4 Perigoso de qualquer modo, pelo apoio que nele encontram, uma contra a outra, a violência do rei e a do povo. Como se o poder soberano não visse, nessa emulação de atrocidades, um desafio que ele mesmo lança e que poderá ser aceito um dia: acostumado a “ver correr sangue”, o povo aprende rápido que “só pode se vingar com sangue”.5 Nessas cerimônias que são objeto de tantas investidas adversas, percebem-se o choque e a desproporção entre a justiça armada e a cólera do povo ameaçado. Nessa relação Joseph de Maistre reconhecerá um dos mecanismos fundamentais do poder absoluto: o carrasco forma a engrenagem entre o príncipe e o povo; a morte que ele leva é como a dos camponeses escravizados que construíram São Petersburgo por cima dos pântanos e das pestes: ela é princípio de universalidade; da vontade singular do déspota, ela faz uma lei para todos, e de cada um desses corpos destruídos, uma pedra para o Estado; que importa que atinja inocentes! Nessa mesma violência,