literatura Fernando Pessoa
JOÃO PESSOA, 09 DE ABRIL DE 2015
No poema “Auto psicografia”, Fernando Pessoa apresenta a criação estética como um processo de intelectualização de emoções sentidas: o leitor não tem acesso à dor sentida nem à dor fingida, mas só à dor escrita, só ao poema, susceptível de gerar emoção estética. Noutro texto, considera que o grau máximo do poeta seria aquele que fosse “vários poetas, um poeta dramático escrevendo em poesia lírica” (tal como um autor cria as personagens do seu romance, o poeta dramático criaria as personagens, não de um romance, porque não teriam ação efetiva, mas da sua poesia lírica - ou seja: vários poetas/heterónimos, várias expressões líricas). O progresso do poeta dentro de si próprio realiza-se pela vitória sobre a sinceridade, pela conquista da capacidade de fingir. Poderemos, pois, inferir dos poemas “Autopsicografia” e “Isto” que a heteronímia surge como parte desse processo intelectualizante. Nas palavras de Pessoa: “Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e ideias, os escreveria. Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados.” Fernando Pessoa passa a escrever em seu próprio nome e em nome destas personagens que são emanações suas, mas a que atribui (sobretudo a Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos) uma biografia, uma personalidade, um pensamento, um estilo. A origem mental dos heterónimos, diz na bem conhecida carta a Adolfo Casais Monteiro, está na sua “tendência orgânica para a despersonalização e para a simulação”. Mas devemos considerá-los pelos menos em dois planos distintos: o plano interior, isto é, correspondente à cisão da sua vida psíquica ou à coabitação, nela, de diferentes personalidades