Liberalismo Utópico
João Rodrigues joaorodrigues@ces.uc.pt Faculdade de Economia e Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
“O mundo não é uma mercadoria.” Este slogan político contemporâneo resume toda uma atitude crítica em relação à hegemonia neoliberal, que tem na mercadorização sem fim à escala global um dos seus pilares e no esvaziamento das democracias e na crise generalizada dois dos seus resultados mais salientes e recorrentes. A obra de Karl
Polanyi (1886-1964), em especial o seu principal livro – A Grande Transformação –, escrito em 1944 e só agora disponível em edição portuguesa, ajuda-nos decisivamente, como procurarei argumentar, a dar conteúdo e densidade a este slogan e a compreender a importância de se (re)conhecer a “realidade da sociedade”, que é bem mais do que um somatório de indivíduos mais ou menos egoístas interagindo em mercados mais ou menos idealizados. Fá-lo, entre outras razões, porque não se insere confortavelmente em nenhuma das disciplinas que tantas vezes espartilham o conhecimento das sociedades e porque nos oferece importantes pistas de economia política e de economia moral. Isto no quadro de um compromisso ético-político socialista democrático que faz uma aposta definida como realista: “uma sociedade industrial poderá permitir-se, ao mesmo tempo, ser justa e livre”.
A economia política de Karl Polanyi parte da hipótese plausível de que o poder político e o valor económico são inevitáveis e estão entrelaçados numa sociedade complexa, sendo que o desafio central é, então, o de saber qual o lugar e a configuração institucional das transacções mercantis, da redistribuição e da reciprocidade, já que todas são necessárias numa sociedade funcional. Uma parte do conflito social é sobre isto, sobre a resposta a dar às seguintes questões: Quem se apropria do quê e porquê?
Quem tem liberdade e quem está meramente exposto a essa liberdade, no quadro do