Kasper Hauser
Pretende este artigo analisar, sob o contexto da ética racionalista, um fato real que se deu na Alemanha, início do século XIX, quando um jovem - Kaspar Hauser (?-1833) - por circunstâncias não devidamente esclarecidas, fora mantido em cativeiro subterrâneo, da infância à adolescência, privado de contato social e sem qualquer possibilidade de alcançar real conhecimento do mundo, até que o momento em que seu algoz o liberta na praça central de Nüremberg.
A história emblemática de Kaspar Hauser tem inspirado, desde então, diversos livros e ensaios literários, psicológicos, lingüísticos, filosóficos, antropológicos, jurídicos etc, além da produção de películas cinematográficas sobre o tema. Para delimitar o campo de ação, a presente pesquisa restringiu-se a duas obras: o romance "Kaspar Hauser ou A indolência do Coração" (1908), do escritor austríaco Jacob Wassermann, e o filme "O Enigma de Kaspar Hauser" (1975), do cineasta alemão Werner Herzog.
Não há como analisar a figura de Kaspar Hauser sem equipará-la ao bom selvagem que habita as teorias do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Segundo Rousseau, as ciências - apesar de seu contínuo desenvolvimento - constituem um fator de decadência humana, haja vista que o verdadeiro progresso é de ordem moral. Dizer que o homem nasceu bom e a sociedade o corrompeu não basta, até porque seria impossível retornar ao estado pré-social. Não se trata, portanto, de voltar à natureza primitiva, mas fazer a Essência triunfar sobre a existência.
Em meio a tal contexto há de se perguntar se o homem nasce ético. Se para Platão (427-347 a.C.) o conhecimento já faz parte, a priori, do indivíduo, para Aristóteles (384-322 a.C.) ele somente pode ser adquirido com a experiência concreta, a posteriori. Considerando que a ética, tida como ciência da moral, está envolta em relações psicossociais, a resposta mais plausível a essa indagação seria a de que o ser humano não nasce ético nem antiético, podendo obter - ou não -