Humanismo
Profa. Ana Remígio
TEXTO INTRODUTÓRIO
Amor e Cortesia na Literatura Medieval
Raúl Cesar Gouveia Fernandes - UFES
Um cavaleiro, que ultrapassava a todos em honra e bravura, buscava salvar a rainha da mão de seus raptores. Procurando-a pela floresta, Lancelote topa com um anão. O homenzinho recusa-se a dar notícias de Ginevra, a menos que o cavaleiro abrisse mão de sua honra, montando numa charrete que ele conduzia, do tipo utilizado para o vil desfile de ladrões e assassinos condenados. Após vacilar por um instante,
Lancelote aceita e deixa-se levar pelo anão, pois Amor assim o exigia. Essa breve hesitação, no entanto, custará caro: quando ele finalmente encontrar Ginevra, ela desprezará seu amor por considerá-lo indigno de si. Após ter enfrentado a infâmia e muitos outros perigos para salvá-la, Lancelote queda mudo enquanto a rainha afasta-se dele e entra em seus aposentos:
Li cuers, qui plus est sire et mestre et de plus grant pooir assez, s'an est oltre aprés li passez, et li oil sont remés defors,
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plain de lermes, avoec le cors .
A figura deste amante, em quem se combinam a ousadia e o desprendimento do herói e a resignação do mais humilde servo, continua profundamente familiar ao leitor moderno; a despeito da enorme distância que nos separa da sociedade feudal, algo dos episódios lembrados permaneceu vivo na literatura e na imaginação contemporâneas. O primeiro a distinguir o principal motivo deste misto de identificação e estranhamento que nos causa a literatura do século XII talvez tenha sido Gaston Paris quando, há mais de cem anos, referindo-se justamente ao Lancelote ou o Cavaleiro da Carreta de Chrétien de Troyes, pôs em circulação a expressão ―amour courtois‖, aceita em seguida unanimemente pela crítica (1883, p. 519). Esta nova maneira de representar o sentimento amoroso que a desde então a crítica chama de ―amor cortês‖ — criação dos trovadores da Provença, região do Sul da França, que