Hora do Conto II
Monteiro Lobato
No outro dia a menina levantou-se muito cedo para levar a boneca ao consultório do doutor Caramujo. Encontrou-o com cara de quem havia comido um urutu recheado de escorpiões. - Que há doutor? - Há que encontrei o meu deposito de pílulas saqueado. Furtaram-me todas... - Que maçada! – exclamou a menina aborrecidíssima. Mas não pode fabricar outras? Se quiser, ajudo a enrolar. - Impossível. Já morreu o besouro boticário que fazia as pílulas, sem haver revelado o segredo a ninguém. A mim só me restava um cento, das mil que comprei dos herdeiros. O miserável só deixou uma – e imprópria para o caso porque não é pílula falante. - E agora? - Agora, só fazendo uma certa operação. Abro a garganta da boneca muda e ponho dentro uma falinha, respondeu o doutor, pegando na sua faca de ponta para amolar. Já providenciei tudo. Nesse momento ouviu-se grande barulheira no corredor. - Que será? – indagou a menina surpresa. - É o papagaio que vem vindo – declarou o doutor. - Que papagaio homem de Deus? Que vem fazer aqui esse papagaio? Mestre Caramujo explicou que como não houvesse encontrado suas pílulas mandara pegar um papagaio muito falante que havia no reino. Tinha de matá-lo para extrair a falinha que ia pôr na boneca. Narizinho, que não admitia que se matasse nem formiga, revoltou-se contra a barbaridade. - Então não quero! Prefiro que Emília fique muda toda a vida a sacrificar uma pobre ave que não tem culpa nenhuma. Nem bem acabou de falar, e os ajudantes do doutor, uns caranguejos muito antipáticos, surgiram à porta, arrastando um pobre papagaio de bico amarrado. Bom que resistia ele, mas os caranguejos podiam mais e eram murros e mais murros. Furiosa com a estupidez, Narizinho avançou de sopapos e pontapés contra os brutos. - Não quero! Não admito que judiem dele! – berrou ela vermelhinha de cólera, desamarrando o bico do papagaio e jogando as cordas no