hISTORIA CORPO HUMANO
- Em absoluto, objetou veementemente o velho Bossu. Nós sempre tivemos a noção de espírito; o que vocês nos trouxeram foi o corpo.
- ???
- Nós não sabíamos que tínhamos um corpo. Agora sabemos que ele não é movido pelos espíritos de nossos antepassados; nós podemos controlar nossas impulsões e pensar no que queremos que ele faça”.
Esta passagem, ao mesmo tempo surpreendente e esclarecedora, transcrita pelo antropólogo Maurice Leenhardt (1987) em Gens de la Grande Terre, relata a descoberta do corpo pelos Canaques da Nova Caledônia. Para essa cultura, corpo e espírito são se distinguem, formando uma unidade dirigida pelos espíritos dos ancestrais, e pelo espírito coletivo – o do Totem. Eles se deixavam guiar sem vontade própria. Os Canaques tiveram que inventar uma palavra para falar do corpo em geral, pois na língua local tal palavra não existia.
Na maioria das culturas do chamado “mundo primitivo” (culturas não industrializada e muitas vezes sem escrita), a noção de corpo diverge bastante da nossa. Para alguns destes povos, o corpo neutro, ou natural, não é um corpo valorizado ou desvalorizado: é um corpo freqüentemente concebido como parte do universo. O mesmo parece ter acontecido com as primeiras civilizações.
Nos textos Egípcios, Hititas, Babilônicos e Assírios, e nas civilizações ameríndias – Incas, Maias, Astecas – não existem referências específicas ao corpo. Nos 586 mitos ameríndios analisados por Lévi-Strauss a noção de corpo simplesmente não aparece (Descamps, 1988). Nestas culturas o corpo nunca era algo “mau visto”, fonte de vícios e desmedidas: ao contrário, era apreendido de maneira bastante positiva, e jamais como um objeto mau ao qual se deve opor-se, ou mesmo perseguir. Para os Dogons, no Mali, o corpo é tido em grande estima. Eles se cumprimentam dizendo: “Olá, como vai o seu corpo?” Para eles, a cidade em si é um corpo e a terra um corpo de mulher. A