Hist Rias Da Preta
Fazia muito frio. Eu precisava pôr a luva, o casaquinho marrom de lã e o gorrinho vermelho que se espichava num cachecol. Toda manhã, na hora de ir para o colégio, era preciso cobrir a pele já rachada pelo vento frio e seco. O pior era o nariz que grudava gelado no vidro da janela embaçada, olhando a geada que transformava meu quintal em cristal. Ao anoitecer, era da mesma janela que eu via as estrelas andarem e às vezes correrem de luas gigantes. Pisca aqui, pisca ali As noites muito escuras traziam as nuvens de vaga-lume. Pisca aqui, pisca ali, num rastro de puro encantamento. Lembro do meu olhar saindo detrás do vidro da casinha toda verde da rua chamada Serra Azul, com meu nariz sempre à frente e meus pés que não pararam de descobrir ruas novas. Cresci uma menina igual a todas as meninas e diferente de todas as outras. Desse jeito sou eu com minha história, nesta história com todos os tamanhos que couberem neste livro.
Eu sou a Preta. Era minha madrinha, a tia Carula, uma irmã querida de minha mãe, quem me chamava assim. Ela sempre chegava com um lencinho na cabeça e uma sacola de palha cheia de novidades, que eu abria sentindo cheirinho de boneca nova, de joguinho para brincar, de roupa bonita, de livrinhos de história com perfume de papel colorido.
— Preta, vim te buscar!
As férias traziam com ela flores que eu nunca tinha visto e montanhas onde o mundo ficava embaixo, depois das nuvens. Numa dessas vezes, esqueci minha cordinha de pular em cima de uma pedra. Ficava triste lembrando dela sem mim, sozinha. Às vezes imagino que ela está lá até hoje.
Mas o melhor de tudo eram os aniversários, quando a tia chegava para ajudar minha mãe e preparar delicias.
— Preta, olha o bolo, os pastéis, a calça-virada, a cuca e os canudinhos que fiz pra ti!
Porém, o grande amor que nascia do coração da tia Carula ficou principalmente na minha lembrança de certos dias tristes em que ela chegava com sua sacolinha de carinhos. E só ela sabia me chamar de Preta