Hist Ria Do Pranto Alan Pauls
ALAN PAULS
Tradução JOSELY VIANNA BAPTISTA
COSACNAIFY
Digitalizado e corrigido por J. Martins em setembro de 2011.
85 páginas - rodapé.
HISTÓRIA DO PRANTO UM TESTEMUNHO
Numa idade em que as crianças ficam desesperadas para falar, ele pode passar horas só ouvindo. Tem quatro anos, ou foi o que lhe disseram.
Em face do espanto de seus avós e de sua mãe, reunidos na sala de estar da rua Ortega y Gasset, o apartamento de três cômodos do qual seu pai, que ele se lembre, sem nenhuma explicação, desaparece uns oito meses antes levando consigo seu cheiro de tabaco, seu relógio de bolso e sua coleção de camisas com o monograma da camisaria Castrillón, e ao qual agora volta quase todos os sábados de manhã, sem dúvida não com a pontualidade que sua mãe desejaria, para apertar o botão do interfone e pedir, não importa quem o atenda, com aquele tom crispado que mais tarde aprende a reconhecer como o emblema do estado
5 em que fica sua relação com as mulheres depois de ter filhos com elas, que desça de uma vez!, ele cruza a sala com toda pressa, vestido com a patética roupa de Super-Homem que acaba de ganhar de presente, e com os braços estendidos para frente, numa tosca simulação de vôo, pato com talas nas asas, múmia ou sonâmbulo, atravessa e estilhaça o vidro da janela francesa que dá para a sacada. Um segundo depois volta a si, como se acordasse de um desmaio. Descobre-se de pé entre floreiras, apenas um pouco acalorado e trêmulo. Olha suas mãos e vê, como que desenhados, dois ou três filetes de sangue escorrendo-lhe pelas palmas.
O que o salvou não foi a compleição de aço do super-herói que ele evoca, como poderia parecer à primeira vista e como logo irão cuidar de repetir os relatos destinados a manter viva essa façanha, a mais chamativa, senão a única, de uma infância que, aliás, destinada desde o início em não chamar a atenção, prefere ir levando em atividades solitárias, leitura, desenho, a juveníssima televisão da época, indícios de que