Hemodiálise: um estranho psicanalítico
O heimlich - ou unheimlich, ou estranho, como foi traduzido na língua portuguesa - é definido por Freud como aquilo que desperta estranheza e se apresenta ao sujeito. Nesse caso, um objeto desperta interesse, ao mesmo tempo em que também induz ao desconforto, em repercussões consideráveis. Não se trata, necessariamente, de algo incomum, mas de um resgate mnemônico das entranhas da constituição do próprio eu.
Na hemodiálise, esse conceito tem ressonância, pois nem sempre o paciente se adapta ao procedimento tão repetitivo e tão necessário. Percebe-se nessas pessoas, por vezes, uma aflição, ansiedade ou tristeza (melancolia?), que acompanha o paciente por horas, meses e anos. O heimlich, ora é compreendido como estrangeiro ora como familiar. Pode levar um tempo para o objeto manifestar sua aparência obscura, mas a desconfiança, advinda da aproximação, se mantém constante. Pacientes hemodialíticos estão propensos a essa situação.
No decorrer de seu tratamento dialítico, o sujeito se vê aliviado em função dos sintomas de sua patologia diminuírem, ou até desaparecerem, o que revela uma aproximação amigável da máquina. Como o passar do tempo, há uma necessidade de transpor os limites impostos até então. Nesse momento, surgem as esperanças de ter um transplante e se livrar de do objeto apontador de sua fraqueza.
A hemodiálise, heimlich, é o objeto dicotomizado presente no sintoma e na melhora. Freud se dirige à perda - de um órgão, para o portador de insuficiência renal crônica - como forma de castração; sentimento reprimido, originado nas relações edipianas e carregado até o fim da vida. No momento em que o conflito freudiano é instaurado, o sujeito, conduzido pela tendência à repetição, percebe a diálise como uma nova derrota ou como um recurso de sobrevivência? E como ficam as pulsões de vida e morte nesse caso?