helena
-Mas me diga uma coisa, havia necessidade de você me matar?
CANGACEIRO
-E você me matou?
JOÃO GRILO
-Pois é por isso mesmo que eu reclamei. Você já estava desgraçado, podia ter-me deixado em paz.
CANGACEIRO
-Eu, por mim, agora que já morri, estou achando até bom. Pelo menos estou descansando daquelas correrias. Quem deve estar achando ruim é o bispo.
BISPO
-Eu? Por quê? Estou até me dando bem!
JOÃO GRILO
-É, estão todos muito calmos porque ainda não repararam naquele freguês que está ali, na sombra, esperando que nós acordemos.
PADRE
-Quem é?
JOÃO GRILO
-Você ainda pergunta? Desde que cheguei que comecei a sentir um cheiro ruim danado. Essa peste deve ser um diabo.
DEMÔNIO
-Calem-se todos. Chegou a hora da verdade.
CANGACEIRO
-Da verdade?
PADRE
-Da verdade?
DEMÔNIO
-Da verdade, sim.
JOÃO GRILO
-Então já sei que estou desgraçado, porque comigo era na mentira.
DEMÔNIO
-Vocês agora vão pagar tudo o que fizeram.
JOÃO GRILO
-Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida! DEMÔNIO
-Besteira, maluquice!
JOÃO GRILO
-Besteira ou maluquice, eu apelo pra quem pode mais... Valei-me nosso Senhor, Jesus Cristo...
DEMÔNIO
-Quem é? É Manuel?
MANUEL
-Sim, é Manuel, o Leão de Judá, o Filho de Davi. Levantem-se todos, pois vão ser julgados.
JOÃO GRILO
-Não quero faltar com o respeito a uma pessoa tão importante, mas se não me engano aquele sujeito acaba de chamar o senhor de Manuel.
MANUEL
-Foi isso mesmo, João. Esse é um de meus nomes, mas você pode me chamar também de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele gosta de me chamar Manuel, porque pensa que assim pode se persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus.
JOÃO GRILO
-Jesus?
MANUEL
-Sim.
JOÃO GRILO
-Mas, espere, o senhor é que é Jesus?
MANUEL
-Sou, porquê?
JOÃO GRILO
-Porque... não é lhe faltando com o respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito menos queimado.
BISPO