Gloria Deus
O Carnaval em Luanda
Na sexta-feira 27 de Março de 1987, Luanda festejou o seu Carnaval na magnífica avenida ladeada de palmeiras que percorre a baía, passando pela cúpula grega cor-de-rosa do Banco de Angola1. Tratava-se de uma data festiva, sem qualquer relação com o calendário da Quaresma, mas a festa encontrava-se profundamente imbuída dos magníficos símbolos da história, passada e presente, de Angola. Desde há quatrocentos anos que Luanda é a principal cidade atlântica da África central. A continuidade dinâmica da cultura popular pouco afectada foi pela alternância de regimes diferentes —os
Habsburgos espanhóis da década de 1580, os Neerlandeses protestantes da década de 1640, os fazendeiros brasileiros da década de 1660, os mercantilistas portugueses da década de 1730, os crioulos negros da década de 1850, os monárquicos do exército da década de 1880, os republicanos brancos da década de 1910, os «fascistas» autoritários da década de 1930, os capitalistas da industrialização da década de 1960, os revolucionários nacionalistas da década de 1980. O Carnaval e outros dias de festa semelhantes representaram sempre uma reacção flexível aos traumas da mudança, um apego firme aos valores do passado e uma representação irónica da exorcização dos demónios contemporâneos. A escolha da data para o Carnaval de 1987 representou uma tentativa, por parte do Estado, na sua encarnação mais recente, de conquistar uma base popular na cidade de Luanda. O Estado angolano e o MPLA, o partido do Governo, sofrem, tal como a maioria dos Estados e partidos de governo em África, de uma debilidade crónica. O Carnaval representava, portanto, um meio ideal para tentar mobilizar o apoio popular. Os intervenientes principais são mais de duzentos grupos de Carnaval, distribuídos pelos numerosos bairros, muceques, paróquias, bairros de lata, aldeias de pescadores, subúrbios e prédios degradados