Fundamentalismo
Foi dito que o homem nunca deixou de observar a si mesmo, mas isso nunca foi tão evidente quanto no século dezesseis à descoberta do novo mundo. Poderíamos dizer que é então dada a gênese da antropologia.
Imagine, então, de repente a Europa incólume não está mais sozinha em um mundo muito maior e mais diverso do que imaginara. Num mundo tão diverso restava saber se os habitantes de terras tão longínquas eram mesmo humanos.
E o enfoque para responder nesta época é sempre o religioso, e a questão SEMPRE é: teriam alma? Cabe aos corajosos missionários responder, e à igreja confiscar. E penso agora numa frase do Irigaray que diz muito sobre a questão do selvagem e da intrincada relação existencial deste com a ideologia dominante: “nós nascemos do pecado que cobra o paraíso do primitivo”.
Na época surgem (ou somente se definem?) então as duas ideologias que por todo o século permaneceriam em discussão. Bom selvagem versus Mau selvagem. E a a escolha do lado do debate diz mais sobre a consciência que se tem de si e da sociedade em que se vive do que sobre o selvagem realmente.
A verdade é que nunca foi encontrada a resposta ideal neste debate, porque os teóricos nunca se aproximaram daquela que seria a resposta ideal. Tampouco eram superiores ou inferiores nenhuma das culturas em questão. Eram somente diferentes, e era isso que dever-se-ia respeitar. E que tamanho debate nada adiantou, e os clamores de Montaigne de nenhum efeito teve; os espanhóis queimaram, mataram e estupraram a cultura americana do mesmo jeito.
Mas fica registrado desta época iníqua: algo mudou em algum lugar e um saber antropológico (ou pré-antropologico, que seja) residuaria de tantos debates.