Friedrich Nietzsche Humano Demasiado Humano
PRÓLOGO1
1. Já me disseram com freqüência, e sempre com enorme surpresa, que uma coisa une e distingue todos os meus livros, do Nascimento da tragédia ao recém-publicado Prelúdio a uma loso a do futuro: todos eles contêm, assim a rmaram, laços e redes para pássaros incautos, e quase um incitamento, constante e nem sempre notado, à inversão das valorações habituais e dos hábitos valorizados. Como? Tudo somente — humano, demasiado humano? Com este suspiro dizem que um leitor emerge de meus livros, não sem alguma reticência e até descon ança frente à moral, e mesmo um tanto disposto e encorajado a fazer-se defensor das piores coisas: e se elas forem apenas as mais bem caluniadas? Já chamaram meus livros de uma escola da suspeita, mais ainda do desprezo, felizmente também da coragem, até mesmo da temeridade. De fato, eu mesmo não acredito que alguém, alguma vez, tenha olhado para o mundo com mais profunda suspeita, e não apenas como eventual advogado do Diabo, mas também, falando teologicamente, como inimigo e acusador de Deus; e quem adivinha ao menos em parte as conseqüências de toda profunda suspeita, os calafrios e angústias do isolamento, a que toda incondicional diferença do olhar condena quem dela sofre, compreenderá também com que freqüência, para me recuperar de mim, como para esquecer-me temporariamente, procurei abrigo em algum lugar — em alguma adoração, alguma inimizade, leviandade, cienti cidade ou estupidez; e também por que, onde não encontrei o que precisava, tive que obtê-lo à força