Frei Luis de Sousa
MEMÓRIA AO CONSERVATÓRIO REAL
Senhores:
Um estrangeiro fez, há pouco tempo, um romance da aventurosa vida de Frei Luís de Sousa. Há muito enfeite de maravilhoso nesse livro, que não sei se agrada aos estranhos; a mim, que sou natural, pareceu-me empanar a singela beleza de tão interessante história. Exponho um sentimento meu: não tive a mínima ideia de censurar, nem sequer de julgar, a obra a que me refiro, escrita em francês, como todos sabeis, pelo nosso consócio o Sr. Fernando Dinis.
É singular condição dos mais belos factos e dos mais belos caracteres que ornam os fastos portugueses serem tantos deles, quase todos eles, de uma extrema e estreme simplicidade. As figuras, os grupos, as situações da nossa história — ou da nossa tradição, que para aqui tanto vale — parecem mais talhados para se moldarem e vazarem na solenidade severa e quase estatuária da tragédia antiga do que para se pintarem nos quadros — mais animados talvez, porém menos profundamente impressivos, do drama novo — ou para se entrelaçarem nos arabescos do moderno romance.
Inês de Castro, por exemplo, com ser o mais belo, é também o mais simples assunto que ainda trataram poetas. E por isso todos ficaram atrás de Camões, porque todos, menos ele, o quiseram enfeitar, julgando dar-lhe mais interesse.(1)
Na história de Frei Luís de Sousa — como a tradição a legou à poesia, e desprezados para este efeito os embargos de crítica moderna — a qual, ainda assim, tão-somente alegou mas não provou —, nessa história, digo, há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga. Casta e severa como as de Ésquilo, apaixonada como as de Eurípides, enérgica e natural como as de Sófocles, tem, demais do que essoutras,