Francisco Rui Ca Dima
AUDIÊNCIA E
QUALIDADE:
PARA UMA SOCIOLOGIA
CRÍTICA
Francisco Rui Cádima*
Publicado:
Revista Alicerces. Ano IV, nº 4, 2011, pp. 363-381. Lisboa: Colibri/Instituto Politécnico de
Lisboa.
Numa primeira aproximação ao conceito de «qualidade» e à distinção entre públicos e audiências, dir-se-ia que sempre que os públicos televisivos, na sua interacção com a televisão, emergem como um campo de recepção que se sente objectivamente
interpelado
nas
suas
referências,
valores
e
mundividências (e não enquanto meros zappeurs passivos) há uma garantia do cumprimento do conceito, ou seja, há um distanciamento do público face ao seu «duplo obscuro» – a audiência – e nessa distinção confere-se, em boa parte, a própria marca distintiva da qualidade. Naturalmente, a complexidade da questão leva-nos a uma apreciação mais aprofundada dos conceitos, procurando simultaneamente integrar neste texto um state of art, ainda que sintético, das matérias referidas.
Vejamos, para já, a «arqueologia» possível da noção de qualidade em televisão, pensada, mais em particular, a partir do histórico português. Importa reconhecer, desde já, que esta é uma arqueologia complexa, dado que a experiência portuguesa ao nível de estudos sociológicos sobre televisão começou por ter, relativamente cedo, uma barreira altamente obstaculizante no monopólio de Estado. Quer antes, quer depois do 25 de Abril de 1974.
Uma das primeiras referências a uma «televisão de qualidade» em Portugal surge no pós-25 de Abril, de modo mais concreto e assertivo por Francisco
Pinto Balsemão, ainda em plena fase de monopólio de Estado, por ocasião de um debate promovido pelo IPSD sobre a televisão em Portugal1: «(…) A questão da televisão em Portugal, no presente e no futuro, põe-se em termos de liberdade e em termos de qualidade. Em termos de liberdade, porque os
1
preceitos constitucionais vigentes atribuem ao Estado o monopólio da televisão
(…)». Acrescentava F. P. Balsemão: «O problema da televisão