Fragmentos
Mais uma vez transitando no labirinto do passado que ainda não deixou de ser próximo ele demonstra carinho na sala de luz intermitente e recebe descaso e respostas à perguntas que não faz, na penumbra do outro cômodo encontra desprezo ao revelar respeito e após a perseguição usual da velha de cabelos e lábios vermelhos, que nitidamente vê através das venezianas marrons, parte deixando o clima nublado para inexplicavelmente encontrar o céu limpo e o calor na baixa vegetação à beira do rio que nunca viu da janela que durante muito tempo foi sua televisão. Buscando alívio deixa suas coisas no chão em meio ao mato na beira da estrada e lentamente começa a despir-se em direção à água, quando, de samba canção e camiseta, nota seu rosto em meio retrato rasgado, mas é impossível alcançá-lo, a cada tentativa de aproximação uma lufada de vento o afasta das mãos e, para seu espanto, há incontáveis outros fragmentos, pertences, desenhos, publicações, parte de uma história compartilhada, descartada e parcialmente destruída. Estupefato segue o rastro, triste e assustado pela impossibilidade de recolher o que encontra, desnorteado se arrasta na lama e agachado transpõe alambrados já visitados por alguém, é nítida a violência e a devastação. Finalmente chega à uma construção inacabada, variação de uma que há muito o perturbou, e, em caixas, prateleiras e sacos, encontra muito do que havia ficado abruptamente para trás e recusava a reconhecer sua existência. Começa a vasculhar e, sem forças, lentamente tenta reuní-las mesmo com a sensação de que é inútil. Quando a dor, a tristeza e lágrimas que não rolam tomam conta dele, ela surge nua com as formas que bem conhece, chorando e declarando arrependimento se aproxima ensaiando tocá-lo, mas claro que não o faz, apenas diz "não devia ter feito isso" e "me perdoa", então agarra alguns travesseiros que alega serem dele e rebolativamente dá as costas sem parar de chorosamente argumentar, se oferece para colocar tudo num táxi