fisica
Além,
muito além daquela serra que ainda azula no horizonte, nasceu
Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo do jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara.
O pé, grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino o sol, ela repousava em um claro da floresta.
Banhava-lhe
o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite.
Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a rorejava, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva.
Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela.
Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras, remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes; os alvos fios de crautá, as agulhas de juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta.
Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta.
Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e ignotos tecidos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema.
A flecha embebida no arco
partiu.