Ficus
REGINA HORTA DUARTE1 À sombra dos fícus: cidade e natureza em Belo Horizonte
“Sossega, minha saudade. Não me cicies outra vez O impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor.” Carlos Drummond de Andrade, Triste Horizonte, 1977.
1 Introdução
Naquela manhã de 20 de novembro de 1963, inúmeros moradores da cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, foram surpreendidos, ao passarem pela Afonso Pena, principal avenida da cidade. Durante a noite, a prefeitura acabara de iniciar o corte de centenas de frondosos fícus. A paisagem exuberante daquela avenida constituía um verdadeiro cartão postal de Belo Horizonte, apresentada orgulhosamente, desde sua fundação em 1897, como “cidade jardim”. Curiosamente, a derrubada da vegetação da Avenida Afonso Pena não foi um ato isolado na mudança da arborização da cidade. Naqueles meses e ao longo de toda a década de 1960, muitas outras vias tiveram sua arborização derrubada visando seu alargamento, numa época em que a frota de carros particulares em Belo Horizonte, como em todo o Brasil, cresceu assustadoramente. Entretanto, o corte dos frondosos e antigos fícus da Afonso Pena foi o mais largamente debatido, lamentado como sinal das perdas trazidas pelo progresso ou aplaudido como medida corajosa frente à necessidade de desenvolvimento, criticado como atitude arbitrária da prefeitura ou defendido como ato decisivo das autoridades responsáveis, fonte de saudade para os habituados ao abrigo de suas sombras ou de alívio para
*Apoio: CNPq, FAPEMIG.
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Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Autor para correspondência: Regina Horta Duarte, Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, CEP 31270-901, Belo Horizonte, Minas Gerais,