Estudos literários
UMA ESCRITA DA DESCONSTRUÇÃO
Tenho que me destituir para alcançar cerne e semente de vida. O instante é semente viva.
Clarice Lispector
Inesgotáveis são as abordagens de uma obra e, mais inesgotáveis ainda, quando se trata de Clarice Lispector. Figura singular e reconhecida pelo uso de uma linguagem peculiar, inovadora e que transgride as normas da escrita padrão. Certamente, uma de suas obras mais marcantes é Água Viva, pois nesta obra podem ser encontrados traços de estilo e de linguagem de forma mais radicalizada. Trata-se de uma narrativa que não narra uma história, não conta coisa alguma, está em constantes confrontos com o dito e o não-dito. A personagem principal é a própria linguagem. Clarice o tempo todo se questiona sobre o escrever, se questiona sobre o existir como busca, como caminho sem meta pré-estabelecida. “Eu não tenho enredo de vida? Sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver. [...]”[1] Em Água Viva, não há uma forma, um enredo que se prende a estruturas fixas. Realmente esse livro não tem um padrão de início, meio e fim. É a escrita funcionando como rompimento com moldes tradicionais, esvaziamento do romance e crise de representação.
E com alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com a capacidade de raciocínio [...] (grifos nossos)[2]
O texto de Água Viva é um desafio, a busca por ultrapassar as “barreiras”, afastar-se do enredo e de pressupostos racionais para apostar numa sensibilidade, na criação de novas possibilidades de existência ao produzir novos sentidos e valores. Dessa forma, por se tratar de uma obra que deixa de lado todos os padrões tradicionais romanescos, seria interessante se pensássemos ela como uma escrita não-fechada, que