ESTAMOS TODOS EM CRISE
Na última semana, o mundo viu surgir, súbito, uma legião de vaticanistas, sociólogos e antropólogos da religião, profetas do fim do catolicismo. Como que num mercado de peixes, fizeram um alarido próprio para esses tempos regidos pela instantaneidade das redes sociais. Seria engraçado, não fosse trágico. O “imaginário da crise” – forjado agora em torno da renúncia do papa Bento XVI, mas ontem ou anteontem ao redor de qualquer assunto da hora – só vem confirmar a incapacidade epidêmica de pensar o mundo como fenômeno, e não apenas como fato.
Essa crise – a do pensamento – é muito maior que todas as outras. E, para desalento geral, tem raízes profundas, que não neutralizaremos apenas com o botão do “curtir”, ou algo que valha. Vivemos, com todas as letras, tempo de desamparo profundo, o desamparo próprio do individualismo, ao qual nos abraçamos como que a um copo de veneno. Ele nos mata em gotas. E impede de entender o tempo e a história para além das nossas divisas umbilicais. Se há crise, essa é de valores. É mais grave que mísseis ou catástrofes climáticas. Vale lembrar a síntese esboçada pelo filósofo Adauto Novaes, ao dirigir o seminário “Civilização e barbárie”. O ponto em que nos encontramos é de que o mundo esqueceu o passado e perdeu de vista o que espera do futuro. Ora, foi sobre essas duas condições que se consolidou o que chamamos de modernidade. Procurávamos um destino comum, ao qual balizávamos com o que vinha antes e o que viria depois. Sem essa dialética, o presente vale por si mesmo, o que redunda numa tremenda cilada.
O preço, continua Novaes, é que chafurdamos no naturalismo e no artificialismo. Tudo pode. As razões de foro íntimo se sobrepõem às razões morais, reiterando o que Richard Sennett chamou de “o declínio do homem