Epistemologia
Hempel, Semmelweis e a verdadeira tragédia da febre puerperal
Marcos Barbosa de Oliveira
Brena Paula Magno Fernandez
resumo
Em seu manual introdutório Filosofia da ciência natural, Hempel apresenta, enquanto ilustração e ponto de partida para uma análise do processo de invenção e teste de teorias científicas, um relato do caso
Semmelweis – o médico húngaro que, em meados do século xix, em Viena, descobriu a causa da febre puerperal e um método eficaz de prevenção. O relato, se por um lado não incorre em inverdades factuais, por outro, é bastante sucinto, omitindo uma série de aspectos importantes do caso. A tese deste artigo é a de que, embora tais omissões se justifiquem plenamente em função dos objetivos do relato, elas são também convenientes para Hempel, na medida em que ajudam a transmitir uma imagem da ciência que vai muito além dos processos de invenção e teste de teorias, que reflete a concepção positivista de ciência – e assim, quaisquer que tenham sido a intenções do autor, contribuiu para sua disseminação e fortalecimento. Uma imagem que, pelo menos neste caso, não corresponde à realidade. Para demonstrar a tese, expomos as partes da história de Semmelweis omitidas por Hempel e mostramos como elas não se coadunam com a imagem positivista da ciência. Ao longo desse percurso, distinguimos três tipos de crítica à historiografia positivista: a kuhniana, a pós-moderna e a engajada. Na conclusão, tecemos algumas considerações sobre a pesquisa médica nos dias de hoje.
Palavras-chave ● Hempel. Semmelweis. Febre puerperal. Kuhn. Latour. Lacey.
Introdução
Carl Gustav Hempel (1905-1997) foi um dos positivistas lógicos mais importantes, membro, ao lado de Hans Reichenbach, Richard von Mises e outros, da chamada Escola de Berlim, que floresceu ao mesmo tempo e em estreita associação com o Círculo de
Viena. Além de inúmeras contribuições de peso a respeito da lógica da explicação