Enq quis fortuna q tivesse
Enquanto quis Fortuna que tivesse esperança de algum contentamento, o gosto de um suave pensamento me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse minha escritura a algum juízo isento, escureceu-me o engenho co tormento, para que seus enganos não dissesse.
Ó vós, que Amor obriga a ser sujeitos a diversas vontades! Quando lerdes num breve livro casos tão diversos,
verdades puras são, e não defeitos.
E sabei que, segundo o amor tiverdes, tereis o entendimento de meus versos. http://pt.slideshare.net/HMECOUT/enquanto-quis-fortuna-que-tivesse
1. Assunto: Enquanto o destino (Fortuna) permitiu que alimentasse a esperança de alguma felicidade, o poeta dedicou-se a escrever os efeitos da mesma, naturalmente em versos amorosos. Porém, o Amor, temendo que seus enganos fossem divulgados, secou-lhe a inspiração. Assim, aqueles a quem o Amor sujeita às suas insconstâncias, mesmo que, em tais versos, leiam casos tão diferentes (quiçá contraditórios), deverão considerá-los verdades puras, e não o contrário, sendo que as compreenderão tanto melhor, quanto mais larga for a sua experiência amorosa.
2. Estrutura interna bipartida:
1ª parte, constituída pelas quadras.
Esta 1.ª parte está, igualmente, subdividida: na primeira quadra, observamos o papel coadjuvante do destino (Fortuna) e, na segunda, confrontamo-nos com o caráter oponente do Amor (nome também atribuído a Cupido, filho de Vénus).
Note-se que a transição da primeira para a segunda quadra é feita através do conector (conjunção) adversativo "porém", o que, desde logo, antecipa a adversidade nela contida.
2ª parte, constituída pelos tercetos, em que o poeta, apostrofando os que se sujeitam aos caprichos do Amor, adverte para a autenticidade de seus versos, cujo entendimento será tanto melhor quanto maior a experiência (porventura dolorosa) do mesmo amor.
3. A estrutura interna bipartida também se faz notar ao nível da progressão